Seguro de vida e de acidentes pessoais para atletas de futebol
- cantoeidelveinadvo
- 29 de out. de 2024
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O tema do esporte e, especificamente, do futebol possui grande relevância no Brasil. Segundo estudo desenvolvido pela Ernst & Young, em parceria com a Confederação Brasileira de Futebol (“CBF”), existem, no país, mais de 7 mil clubes registrados, dos quais 874 são profissionais e estão ativos. Por sua vez, existem mais de 360 mil atletas registrados na CBF, sendo 88 mil destes, profissionais[1].
O futebol é esporte de contato e de alta intensidade que exige bom preparo físico dos jogadores para que possam desempenhar as suas funções nos intensos treinamentos e frequentes partidas que participam durante uma temporada. Por esse motivo, a prática do futebol de alto rendimento expõe os atletas a elevado risco de lesões, que afetam a sua saúde e a sua performance.
Os jogadores de futebol, no exercício de suas atividades, estão sujeitos a contusões, entorses, fraturas, luxações, contraturas musculares, lesões ligamentares, entre outros, que afetam a sua carreira, podendo, em situações mais graves, levar à aposentadoria precoce ou à morte[2]. Por esse motivo, considerando que os atletas dependem diretamente de sua aptidão física para exercer suas atividades e que as lesões são um risco inerente à profissão, o legislador infraconstitucional, por meio do inciso VI do artigo 84 da LGE/2023, estabeleceu a obrigatoriedade de as organizações esportivas contratarem o seguro de vida e de acidentes pessoais em favor dos atletas e treinadores, resguardando-os dos riscos que estão sujeitos, relacionados à atividade desempenhada.
Igualmente, de acordo com o inciso VII, do artigo 84 da LGE/2023, as organizações esportivas devem assegurar que a indenização garanta ao atleta, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito a ressarcimento mínimo correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. Ainda, de sorte a conferir maior segurança aos atletas e treinadores, sem que estes fiquem sujeitos à demora da regulação do seguro, enquanto se recuperam de sua lesão, restou estabelecido no §1º, do artigo 84 da LGE/2023 que a organização esportiva contratante é responsável pelas despesas médico-hospitalares, fisioterapêuticas e de medicamentos necessárias ao restabelecimento do atleta ou do treinador enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização securitária, independentemente do pagamento de salário.
A contratação de seguro de vida e de acidentes pessoais para atletas de futebol é essencial para proteger àqueles que desenvolvem sua atividade profissional através da excelência de suas qualidades físico-motores, resguardando os eventos futuros e incertos que possam afetar a sua vida e o seu bem-estar.
No seguro de vida, a seguradora se compromete a pagar determinada quantia ao(s) beneficiário(s) do segurado, indicados na apólice ou certificado de seguro. Caso não haja beneficiário nominado, o valor será pago aos sucessores na forma indicada no art. 792 do CC, cujo termo para pagamento da verba indenizatória é a ocorrência do evento morte. Situação que, no caso dos atletas de futebol, decorre de determinado evento-morte previsto como risco possível relacionado a sua atividade profissional, mas aleatório. Pressuposto este vinculado ao evento danoso futuro e incerto, garantido na apólice mediante a correspectiva indenização.
Existem vários riscos a serem considerados, os quais podem ocasionar a morte do atleta, seja em razão de uma doença preexistente[3] ou um acidente no trajeto para ser disputada uma partida[4] ou de um treinamento físico-tático. A atividade de alto desempenho sobrecarrega fisicamente e psicologicamente os atletas, aumentando, portanto, o seu risco potencial de passamento. Em que pese o evento morte seja uma hipótese menos frequente, comparados com lesões sofridas, é um risco real. Assim, é essencial que os atletas que dedicam as suas curtas carreiras, tenham a segurança que, caso venha a ocorrer um sinistro, seus entes queridos estejam protegidos.
Por outro lado, o seguro de acidentes pessoais corresponde à garantia indenitária para ocorrência de sinistro relacionado à saúde do atleta e referente à atividade desempenhada, que resulte incapacidade física ou mental, temporária ou definitiva. A aptidão física dos atletas é bastante limitada no tempo, especialmente por sempre atuarem no limite máximo de sua capacidade física. Assim, os atletas somente conseguem manter o ápice físico por um curto período. Por esse motivo, qualquer tipo de lesão, da mais leve a mais grave, pode interromper, abreviar ou alterar os rumos da profissão, o que justifica a fixação desta espécie de seguro para todo e qualquer tipo de lesão incapacitante relacionada à atividade desempenhada[5].
A ocorrência de uma lesão que afaste o atleta dos campos por um período ou que implique em recuperação incerta é motivo de grande preocupação. Tal evento, é capaz de abreviar a carreira futebolística e gerar repercussões financeiras para aqueles que dependem dos rendimentos do atleta, bem como para os clubes contratantes. Não raro, atletas que sofrem lesões incapacitantes temporárias, não conseguem atingir o mesmo nível técnico e físico, prejudicando os ganhos futuros.
Por essa razão, é necessário que o jogador tenha a segurança de que, na eventual hipótese de sofrer um sinistro previamente estipulado no contrato de seguro, seus prejuízos sejam mitigados com o pagamento da indenização assegurada. Contudo, a definição do capital segurado não segue a base de múltiplos salariais e análise financeira, devendo considerar o valor de mercado do atleta, a multa rescisória e até mesmo o rendimento anual, incluído, aqui, o direito de imagem.
O cálculo não é simples, especialmente porque os clubes, como forma de proteção de seus jovens atletas, optam por estabelecer cláusulas indenizatórias esportivas em valores elevados. Tal situação, consequentemente, eleva o valor dos prêmios a serem pagos pelos clubes/tomadores do contrato de seguro, frente ao aumento do risco segurado. Por essa razão, em determinadas situações, os clubes de futebol optam por contratar apenas o seguro de vida e invalidez permanente em favor de seus atletas. Tal situação se dá, pois, no futebol, há uma elevada incidência de lesões que afastam jogadores de suas funções. Assim, o contrato de seguro de acidentes pessoais, relacionados ao afastamento temporário, potencialmente possui uma taxa de sinistralidade elevada, o que acaba por aumentar o prêmio a ser pago.
Em que pese a contratação de seguro de acidentes pessoais seja obrigatória, há uma baixa adesão por esse tipo de contratação. Isso ocorre, principalmente, frente à baixa disponibilidade de produtos no mercado que atendam os interesses de clubes e atletas. Igualmente, não existem produtos específicos que se adequem à LGE/2023, como por exemplo, a cobertura para hipótese de afastamento temporário.
Ao contratar o seguro em favor do atleta, o clube transfere o risco do pagamento de indenização à seguradora. Por outro lado, em que pese a legislação esportiva não estabeleça nenhuma sanção pela não contratação do seguro de vida e de acidentes pessoais a atletas, a organização esportiva, ao não cumprir com o comando legal previsto no inciso VI do artigo 84 da LGE/2023, poderá incorrer em ato ilícito indenizável, frente à conduta omissiva voluntária, conforme preceituam os artigos 186 [6], 247 [7] e 927 [8], todos dos CC.
Da leitura sistemática dos artigos da lei civil precitados é possível constatar que, caso a organização esportiva não contrate o seguro especial previsto em lei e ocorra o sinistro relacionado à saúde e à vida do atleta, deverá indenizar os prejuízos causados. A responsabilidade, neste caso, é objetiva, por decorrer de um imperativo legal voltada exclusivamente ao clube, conforme se extrai do § único do artigo 927 do CC.
Registra-se que o seguro obrigatório especial previsto na LGE/2023 possui papel fundamental na proteção da confiança dos atletas, visto que, na ocorrência de um sinistro relacionado à sua atividade profissional, estes ou seus beneficiários estarão financeiramente resguardados. Por oportuno, a não contratação do seguro, potencialmente resultará na obrigação de pagamento de indenização substitutiva por parte da organização esportiva, frente à prática de ato ilícito. O pagamento da indenização substitutiva, portanto, buscará reestruturar as expectativas legítimas dos atletas de futebol.
Diante do exposto, a conclusão inevitável é que a LGE/2023 consolida os avanços introduzidos pela Lei Pelé, garantindo mecanismos de proteção para os atletas. No entanto, a efetividade dessa norma depende da adesão das organizações esportivas. O caminho indicado pela LGE/2023 é o da proteção e promoção da dignidade dos atletas. Contudo, isso somente ocorrerá com a criação de produtos específicos para este grande mercado, com equilíbrio financeiro entre os prêmios e indenizações a serem satisfeitas pelas seguradoras.
O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas a este artigo e a qualquer assunto relacionado à área.
Diego Eidelvein do Canto
Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Desportivo.
Jorge do Canto
Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Empresarial.
[1] Estudo foi desenvolvido pela EY, em parceria com a Confederação Brasileira de Futebol, intitulado “Impacto do Futebol Brasileiro”, segundo dados do futebol brasileiro de 2018. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Impacto do Futebol Brasileiro. Rio de Janeiro: EY, 2019. Disponível em: https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191213172843_346.pdf. Acesso em: 21/09/2024.
[2] Veja: DRUMMOND, Felix Albuquerque et al. Incidência de lesões em jogadores de futebol – mappingfoot: um estudo de coorte prospectivo. In: Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 27, p. 189-194, 2021, p. 189; e CRISTIANO NETTO, Diogo et al. Avaliação prospectiva das lesões esportivas ocorridas durante as partidas do Campeonato Brasileiro de Futebol em 2016. Revista Brasileira de Ortopedia, v. 54, p. 329-334, 2019.
[3] Em 27/10/2004, durante uma partida do Campeonato Brasileiro, Serginho, zagueiro do São Caetano teve um mal subido, morrendo horas depois no hospital. O atleta possuía arritmia cardíaca. Para mais informações, veja: https://oglobo.globo.com/esportes/noticia/2024/08/27/relembre-a-morte-de-serginho-outra-tragedia-em-campo-que-morumbi-viveu-em-2004.ghtml.
[4] O caso mais emblemático de sinistro no percurso para uma partida de futebol, certamente, foi o acidente aéreo ocorrido na Colômbia, com a delegação da Chapecoense, antes da final da Copa Sul-Americana, em 2016, que deixou 71 mortos e famílias desamparadas. Veja: https://www.gazetaesportiva.com/times/chapecoense/acidente-aereo-da-chapecoense-completa-sete-anos/.
[5] FARIA, Tiago Silveira de. O seguro obrigatório previsto na Lei Pelé: aplicação e abrangência. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. São Paulo, v. 33, n. 405, p.57-70, p. 61.
[6] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[7] Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.
[8] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.