Recuperação de crédito de falida: Possibilidade de aquisição desse para fins de compensação?
- cantoeidelveinadvo
- 3 de jan.
- 4 min de leitura
O instituto da recuperação de crédito em processos de falência apresenta complexidades que decorrem da natureza coletiva e concursal desses procedimentos, conforme estabelecido pela Lei n.º 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência). O ponto que merece destaque aqui é a possibilidade de aquisição de crédito de falida por terceiros com o objetivo de utilizá-lo em compensação de débitos. Este tema envolve uma análise mediante uma interpretação sistemática entre os princípios do direito falimentar, a regulação da cessão de créditos no Código Civil e os limites à compensação no contexto da falência.
A aquisição de crédito de falida ocorre, usualmente, por meio de cessão de crédito, disciplinada pelos artigos 286 a 298 do Código Civil. Trata-se de um negócio jurídico em que o credor original (cedente) transfere a titularidade de seu crédito a um terceiro (cessionário), sem alteração substancial da natureza do crédito. No entanto, no âmbito falimentar, essa cessão encontra limitações adicionais, decorrentes da necessidade de preservar a igualdade de tratamento entre os credores de mesma categoria (par conditio creditorum) e a ordem de classificação de créditos prevista no artigo 83 da Lei n.º 11.101/2005.
Por outro lado, a compensação é forma indireta de pagamento de uma obrigação, regulada nos artigos 368 a 380 do Código Civil. Consiste na extinção de débitos recíprocos entre as partes, desde que presentes os requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade de ambas as obrigações. No entanto, no processo de falência, o artigo 122 da Lei n.º 11.101/2005 impõe restrições à utilização da compensação, especialmente no caso de créditos adquiridos após a decretação da falência.
Desse modo, a compensação de créditos adquiridos por terceiro da sociedade falida se sujeita a três requisitos essenciais: o termo inicial da aquisição do crédito, o qual deve se limitar aquele existente e compensado antes da data da quebra, ou, se posterior, mediante autorização judicial, de sorte a aferir a legitimidade e se o preço ofertado para obtenção do crédito não é vil. O segundo ponto é que que deve atentar à ordem de classificação dos créditos, devendo observar a preferência no pagamento destes, sob pena de nulidade por desatender os princípios da coletividade e da isonomia de tratamento entre os credores, sob pena de nulidade ato da compensação. Por fim, há necessidade de autorização legal para se efetivar a aquisição desses créditos para fins de compensação, pois o patrimônio da massa falida está sujeito ao controle do juízo universal, a fim de que tal operação não prejudique os demais credores da massa com a diminuição indevida do ativo desta.
A jurisprudência brasileira tem reafirmado a necessidade de observância rigorosa dos requisitos legais para a compensação de créditos em processos de falência. Em diversos casos, os tribunais superiores destacam que a flexibilização indevida das normas pode comprometer os princípios da igualdade entre credores e da preservação do patrimônio da massa.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que, a aquisição de créditos após a decretação da falência não autoriza a compensação, salvo situações em que tal aquisição decorra de previsão legal ou de autorização judicial expressa. Essa posição visa proteger o princípio do concurso universal, garantindo que todos os credores sejam tratados de maneira equitativa.
O debate sobre a possibilidade de compensação de créditos adquiridos de sociedade falida evidencia a discussão entre o interesse coletivo e os direitos individuais. O processo de falência tem como objetivo primordial a maximização do retorno financeiro aos credores, o que pressupõe a observação estrita dos princípios que norteiam o regime falimentar. Por outro lado, o direito do adquirente de crédito também merece tutela, desde que exercido de forma compatível com o ordenamento jurídico especial que trata a execução coletiva de sociedade comercial com patrimônio líquido negativo (bens + direitos – obrigações < 0).
Nesse sentido, o juízo falimentar desempenha papel crucial na conciliação desses interesses. A autorização judicial para compensação de créditos deve ser pautada por uma análise criteriosa, que considere tanto a licitude do ato quanto seus reflexos no processo coletivo. Ademais, o juízo da quebra deve zelar para que a aplicação da compensação não resulte em pré-constituição de vantagem para determinados credores em detrimento de outros.
Portanto, a aquisição de crédito de falida para fins de compensação é juridicamente possível, desde que observados os requisitos legais, como o termo inicial da aquisição, o respeito à classificação dos créditos e a necessária autorização judicial. Contudo, trata-se de uma operação que exige cautela e rigor jurídico, dada a necessidade de compatibilizar os direitos individuais dos adquirentes com o interesse coletivo da massa falida.
Assim, a utilização da compensação no âmbito da falência deve ser analisada à luz dos princípios do direito falimentar e da legislação aplicável, com vistas a garantir a efetiva proteção do patrimônio da massa e a igualdade entre credores. A interpretação e aplicação dos dispositivos legais exigem do operador do direito uma postura equilibrada, que assegure a justiça e a segurança jurídica no âmbito das relações falimentares e dos cessionários que adquirirem esses créditos.
O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas à esta notícia e a qualquer assunto relacionado à área.
Jorge do Canto
Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Empresarial.