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O aumento dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio

  • cantoeidelveinadvo
  • 5 de nov. de 2024
  • 5 min de leitura

Nos últimos anos, o setor do agronegócio brasileiro tem enfrentado uma série de desafios que resultaram em um aumento significativo dos pedidos de recuperação judicial. Isso vem chamando a atenção de analistas econômicos, produtores rurais e autoridades, uma vez que o agronegócio é um dos pilares da economia nacional, responsável por uma parte expressiva do PIB, da geração de empregos e das exportações.


A recuperação judicial é uma ferramenta prevista na legislação brasileira e tem sido utilizada pelas empresas do setor agronegócio como uma estratégia para reorganizar suas finanças e garantir a continuidade das operações. No entanto, o aumento dos pedidos sugere uma crise mais profunda, que assola ao setor, conforme noticiado [1].


O objetivo da recuperação judicial é possibilitar aos devedores (empresários ou sociedades empresárias) em dificuldades financeiras a oportunidade de reorganizar suas dívidas, mantendo suas atividades e preservando empregos. No agronegócio, onde muitas vezes as empresas têm um papel fundamental em regiões inteiras, essa medida pode ser fundamental para evitar impactos negativos na cadeia produtiva de alimentos.


Contudo, o aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial no setor agropecuário revela a necessidade de compreender melhor as causas que levaram a essa situação, que apontam o crescimento expressivo, segundo a Serasa Experian, em mais de 523% no primeiro trimestre deste ano em comparação com o ano anterior [2].

Um dos fatores do aumento dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio é a alta volatilidade dos preços das commodities. Nos últimos anos, o mercado global tem experimentado oscilações expressivas nos preços de produtos como soja, milho, carne bovina e outros itens agrícolas. Esses movimentos de preços afetam diretamente a rentabilidade dos produtores rurais, que muitas vezes operam com margens de lucro atraentes.

Além disso, muitos produtores realizam investimentos substanciais em maquinário, tecnologia e insumos, comprometendo uma parte significativa de suas receitas futuras. Quando os preços caem, os produtores enfrentam dificuldades para honrar suas obrigações financeiras, o que acaba levando ao pedido de recuperação judicial.

Outro aspecto relevante a ser considerado é a influência das condições climáticas. O agronegócio é, por natureza, uma atividade dependente do clima, e eventos extremos, como secas prolongadas, enchentes e prejudiciais, podem causar enormes prejuízos financeiros. Em regiões onde a agricultura é a principal atividade econômica, esses desastres naturais podem inviabilizar a produção por longos períodos, impactando a capacidade dos produtores de gerar receitas e, consequentemente, de pagar suas dívidas.

A recuperação judicial, nesses casos, torna-se uma alternativa para que os produtores-empresários possam negociar prazos mais longos ou condições mais adequadas com seus credores, enquanto buscam recuperar os danos sofridos devido as condições climáticas, à ausência de planejamento econômico-financeiro e/ou tributário. Assim, a tendência de utilização daquele instituto para viabilizar a continuidade da atividade agropecuária vem aumentando significativamente nos últimos anos. Os dados da Serasa Experience revelam um aumento de 300% desse tipo de pedido, do total registrado em 2022 para os primeiros nove meses de 2023 [3].

Além dos fatores climáticos e das oscilações de preços, outro fator que tem pressionado o agronegócio é o custo do crédito. Historicamente, o setor agropecuário brasileiro sempre contornou linhas de financiamento subsidiadas pelo governo, por meio do Plano Safra e outras iniciativas. Entretanto, nos últimos anos, essas linhas de crédito tornaram-se mais restritas e menos acessíveis, em função da crise fiscal que o país enfrenta.


Com menos recursos disponíveis a juros baixos, muitos produtores rurais se viram obrigados a buscar financiamento em instituições privadas, que oferecem crédito com taxas de juros mais elevadas. O aumento do custo de capital, aliado à instabilidade econômica global e às incertezas do mercado, tornou-se ainda mais difícil para os produtores honrarem seus compromissos financeiros, resultando no aumento dos pedidos de recuperação judicial.

Outro ponto importante a ser abordado é o impacto da pandemia de Covid-19 no agronegócio. Embora o setor tenha sido um dos menos afetados diretamente pela crise sanitária, ele não ficou imune às consequências econômicas globais. As cadeias de suprimentos foram interrompidas, o que aumentou os custos de logística e de insumos.

Além disso, há uma demanda por certos produtos agropecuários complementares, especialmente no mercado interno, enquanto o mercado externo enfrenta seus próprios desafios. A recuperação econômica global tem sido lenta, e muitos produtores não conseguiram ajustar suas operações a tempo de evitar o acúmulo de dívidas, o que acabou resultando no aumento das obrigações e necessidade de utilizar o mecanismo de suspender a exigência imediata destas, mediante a recuperação judicial, a fim de reordenar o fluxo de caixa e evitar derrocada financeira.

É necessário considerar, também, o papel da gestão financeira nas empresas do agronegócio. Muitas vezes, a falta de planejamento financeiro adequado contribui para o endividamento excessivo. Em alguns casos, as empresas expandem suas atividades sem avaliar a forma de diminuir os riscos financeiros envolvidos, adquirindo novas propriedades, equipamentos e tecnologia sem garantir que tenham fluxo de caixa suficiente para arcar com as dívidas contraídas. A recuperação judicial, nesse contexto, surge como uma tentativa de corrigir os erros do passado, permitindo que a empresa continue operando enquanto negocia as melhores condições de pagamento com seus credores.

Por fim, o aumento dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio também reflete uma maior conscientização dos produtores sobre a utilidade dessa ferramenta jurídica. No passado, muitos empresários rurais passaram por recuperação judicial como uma medida extrema, a ser evitada a todo custo. No entanto, com o tempo, o entendimento sobre os benefícios desse processo mudou, pois muitos reconhecem a recuperação judicial como uma maneira legítima de reorganizar suas finanças.


Essa medida judicial, visa evitar a falência e preservar os negócios e a continuidade das atividades empresariais. A mudança de percepção e de atitude têm contribuído para o crescimento no número de pedidos, à medida que mais produtores percebem que uma recuperação judicial pode ser uma solução viável para enfrentar o endividamento crescente, estabelecendo parâmetros claros, negociados previamente com os credores, a fim de obter êxito nessa reengenharia financeira.

A conclusão necessária é que o aumento dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio brasileiro é um reflexo de uma combinação de fatores econômicos, climáticos e de gestão. Assim, a volatilidade dos preços das commodities, as condições climáticas adversárias, o custo elevado do crédito e os impactos da pandemia de Covid-19 são apenas alguns dos elementos que explicam essa importante virada de rumo para utilização do instrumento jurídico da recuperação.

No entanto, a recuperação judicial, apesar de ser uma medida drástica, tem sido apresentada uma ferramenta importante para garantir a continuidade das atividades das empresas do setor agropastoril. Diante desse cenário, é fundamental que os produtores rurais busquem estratégias de gestão financeira mais eficazes, além de políticas públicas que possam mitigar os riscos atinentes ao agronegócio e fomentar um ambiente mais estável para o desenvolvimento dessa atividade econômica essencial para o país.


O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas à esta notícia e a qualquer assunto relacionado à área.


Jorge do Canto

Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Empresarial.


 

[1]SANTOS, Rafael, CONJUR, Agronegócio sofre disparada de pedidos de recuperação judicial, https://www.conjur.com.br/2024-fev-02/agronegocio-sofre-disparada-no-numero-de-pedidos-de-recuperacao-judicial/ .

[2]REZENDE, César H. S., Exame Agro, https://exame.com/agro/recuperacao-judicial-no-agro-cresce-523-no-primeiro-trimestre-de-2024/ .

[3]ALMEIDA, Henrique, Aumento expressivo nos pedidos de recuperação judicial preocupa produtores rurais, Canal Rural, https://www.canalrural.com.br/agricultura/aumento-expressivo-nos-pedidos-de-recuperacao-judicial-preocupa-produtores-rurais/ .

 
 
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