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Mecanismo de solidariedade nacional e a nova metodologia de cálculo prevista na Lei Geral do Esporte

  • cantoeidelveinadvo
  • 15 de dez. de 2023
  • 5 min de leitura

O mecanismo de solidariedade nacional consiste em importante rubrica para o fomento e o desenvolvimento da formação de jovens atletas. Este instituto do direito esportivo representa uma espécie de compensação por formação, isto é, uma forma de recompensar financeiramente os clubes que participaram na formação esportiva de um determinado atleta.


Dentro deste contexto, o mecanismo de solidariedade nacional foi estabelecido com o intuito de promover a cooperação e solidariedade da comunidade do futebol e visa distribuir receitas provenientes de transferências de atletas para aqueles clubes que participaram da formação de jogadores entre 12 e 19 anos. Assim, esta rubrica representa um importante incentivo para que clubes invistam em suas categorias de base, sendo recompensados pelos custos provenientes da formação de atletas. 


A Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023 - LGE) trouxe uma importante alteração no que diz respeito ao mecanismo de solidariedade nacional, visto que aumentou o percentual a ser distribuído aos clubes formadores de 5% (anteriormente previsto no artigo 29-A da Lei Pelé - Lei nº 9.615/1998), para 6%. Em que pese a Lei Pelé ainda esteja em vigor (em razão dos vetos realizados pelo Presidente da República na LGE), entende-se que a nova lei revogou, neste ponto, a Lei Pelé, devendo prevalecer a redação e a metodologia de cálculo previstas na Lei Geral do Esporte, conforme preceitua o §1º do artigo 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro¹ (Decreto-lei nº 4.657/1942 – LINDB). Vige aqui o brocardo jurídico “lex posterior derogat priori”.


O mecanismo de solidariedade nacional está previsto no artigo 102 da Lei Geral do Esporte, no qual estabelece que, sempre que ocorrer a transferência nacional (definitiva ou temporária) de um atleta profissional, até 6% do valor pago pelo clube cessionário serão distribuídos entre os clubes que contribuíram para a formação do atleta na seguinte proporção: (a) 0,5% para cada ano de formação, dos 12 aos 13 anos de idade; (b) 1% para cada ano de formação, dos 14 aos 17 anos de idade, inclusive; (c) 0,5% para cada ano de formação, dos 18 aos 19 anos de idade, inclusive. 


Verifica-se, portanto, que o fato gerador para o pagamento do mecanismo de solidariedade nacional é a existência de uma transferência, definitiva ou temporária, de um atleta profissional, realizada entre clubes brasileiros de forma onerosa. Nesse sentido, não há limitação de idade para a distribuição do mecanismo de solidariedade nacional. Por exemplo, se um atleta profissional, com 41 anos de idade, for transferido onerosamente entre entidades esportivas brasileiras, os clubes que participaram de sua formação esportiva dos 12 aos 19 anos, farão jus ao recebimento do mecanismo de solidariedade nacional. 


Por outro lado, no que tange à metodologia de cálculo, sinala-se que, conforme jurisprudência da Câmara Nacional de Resolução de Disputas da Confederação Brasileira de Futebol (CNRD)² referente a Lei Pelé (que, à exceção do percentual, possui redação próxima da LGE), o cálculo do período do mecanismo de solidariedade deverá ser realizado entre os aniversários do atleta. Ou seja, o cálculo do mecanismo de solidariedade nacional englobará o período a partir do primeiro dia em que o atleta completar 12 anos de idade até o último dia em que o atleta possuir 19 anos de idade. Este cálculo, difere, por exemplo, do mecanismo de solidariedade internacional, previsto nos regulamentos da FIFA, em que o cálculo é realizado a partir do ano em que o atleta profissional completar 12 anos até o ano em que o mesmo tiver completado 23 anos de idade³.


Registra-se que o cálculo do mecanismo de solidariedade nacional deverá ser realizado com base no passaporte desportivo do atleta. Este documento corresponde à certidão fornecida pela CBF, contendo, de forma consolidada, todas informações de registro de um atleta durante a sua carreira, incluindo: (a) a associação membro pertinente; (b) o status do jogador (amador ou profissional); (c) o tipo de registro (permanente ou empréstimo); e (d) o(s) clube(s) (incluindo a categoria de treinamento) com o(s) qual(is) o atleta foi registrado desde o ano civil de seu 12º aniversário.


Outrossim, nos termos do §1º do artigo 102 da LGE, a responsabilidade pelo pagamento do valor referente ao mecanismo de solidariedade nacional, como regra, é da organização esportiva cessionária, que deverá reter até 6% do valor acordado para a transferência e distribuí-los aos clubes que contribuíram para a formação do atleta. Por sua vez, o §2º do artigo 102 da LGE estabelece a exceção contida no recém mencionado §1º, prevendo que, caso o atleta se desvincule da organização esportiva de forma unilateral, mediante o pagamento da cláusula indenizatória⁴, a responsabilidade pelo pagamento do mecanismo de solidariedade nacional caberá ao clube que recebeu a cláusula indenizatória esportiva, devendo este distribuir até 6% de tal montante às organizações esportivas responsáveis pela formação do atleta. Tal exceção já estava prevista na Lei Pelé.


Com relação ao prazo para o pagamento do mecanismo de solidariedade nacional aos clubes formadores, o §3º do artigo 102 da LGE prevê que os valores deverão ser distribuídos proporcionalmente em até 30 dias da efetiva transferência. Ademais, importante referir a Lei Geral do Esporte não prevê como condição para pagamento do mecanismo de solidariedade nacional que o clube formador do atleta detenha o Certificado de Clube Formador (CFF), previsto no artigo 99 da LGE⁵.  


Por fim, sinala-se que, conforme artigo 3º, inciso IV, do Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF, a CNRD possui competência para analisar disputas entre clubes para cobrança de mecanismo de solidariedade nacional. Todavia, nos termos do artigo 43 do recém mencionado regulamento, o prazo decadencial para apresentar o requerimento perante a CNRD é de dois anos a contar do fato gerador do valor cobrado. 


O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas a este artigo e a qualquer assunto relacionado à área.


Diego Eidelvein do Canto

Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Desportivo.


 

¹O recém mencionado artigo está assim previsto: “Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”


²Sobre o tema, leia: Processo CNRD 2020/S/679, julgado em 31.8.2021, disponível em: https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202212/20221208124454_305.pdf.


³Registra-se que no mecanismo de solidariedade internacional, o período do cálculo da referida rubrica é realizado dos 12 aos 23 anos de idade do atleta, conforme previsto no artigo 1º, parágrafo 1º, do Anexo 05, do Regulamento sobre a Situação e a Transferência de Jogadores da FIFA (FIFA RSTP), sendo o percentual a ser distribuído de 5%. 


A cláusula indenizatória esportiva está prevista no artigo 86, inciso I e §1º, ambos da Lei Geral do Esporte: “Art. 86. O atleta profissional poderá manter relação de emprego com organização que se dedique à prática esportiva, com remuneração pactuada em contrato especial de trabalho esportivo, escrito e com prazo determinado, cuja vigência não poderá ser inferior a 3 (três) meses nem superior a 5 (cinco) anos, firmado com a respectiva organização esportiva, do qual deverá constar, brigatoriamente: I - cláusula indenizatória esportiva, devida exclusivamente à organização esportiva empregadora à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses: a) transferência do atleta para outra organização, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho esportivo; b) retorno do atleta às atividades profissionais em outra organização esportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; [...] § 1º O valor da cláusula indenizatória esportiva a que se refere o inciso I do caput deste artigo será livremente pactuado pelas partes e expressamente quantificado no instrumento contratual: I - até o limite máximo de 2.000 (duas mil) vezes o valor médio do salário contratual, para as transferências nacionais; II - sem qualquer limitação, para as transferências internacionais.”.


Esta situação também não estava prevista na Lei Pelé. Nesse sentido, a CNRD sedimentou entendimento sobre a desnecessidade de CFF para cobrança de mecanismo de solidariedade nacional. Vide: PROCESSO CNRD Nº 2019/S/433, julgado em 28/06/2021, disponível em: https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202212/20221208124453_177.pdf.





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