Avanços na prevenção da dopagem: uma análise da Lei n. 14.806/2024
- cantoeidelveinadvo
- 8 de fev. de 2024
- 6 min de leitura
As ações de prevenção e combate à dopagem constituem atividades essenciais à prática esportiva, pois buscam preservar os valores fundamentais e intrínsecos ao esporte, conhecidos como o “espírito esportivo”. O “espírito esportivo” representa a essência do Olimpismo[1], pois consiste em uma filosofia de vida que exalta e combina, de forma equilibrada, as qualidades do corpo, da vontade e da mente, com valores éticos fundamentais e universais.
Assim, o “espírito esportivo” pode ser compreendido como a busca pela excelência humana através do aperfeiçoamento dos talentos naturais, aliado ao respeito às regras e leis; ao próximo; à amizade; à compreensão mútua; à igualdade; à solidariedade; e ao jogo limpo (“fair play”). Nesse contexto, a dopagem, que consiste no uso de substâncias e métodos proibidos para artificialmente melhorar o desempenho esportivo de um atleta, representa uma séria violação ao “espírito esportivo”, comprometendo significativamente a integridade do esporte e a igualdade de condições entre os competidores.
Com intuito de desenvolver, harmonizar e coordenar regras e políticas antidopagem em todos os esportes e países, em 1999, foi criada a Agência Mundial Antidopagem (AMA-WADA). A AMA-WADA constitui uma agência internacional independente que busca liderar o movimento mundial colaborativo para o desenvolvimento do esporte livre da dopagem. Sua atuação se dá através da pesquisa científica e de ciências sociais; da educação; da inteligência e investigações; do desenvolvimento de capacidade antidopagem; e do monitoramento da conformidade com o Programa Mundial Antidopagem.
Igualmente, compete à AMA-WADA a manutenção e divulgação da Lista de Substâncias Proibidas e Métodos Proibidos, que caracterizam dopagem. A “lista proibida” é um padrão internacional e faz parte do Programa Mundial Antidopagem. A referida lista está distribuída da seguinte maneira: (a) substâncias e métodos proibidos em todos os momentos (dentro e fora de competição); (b) substâncias e métodos proibidos em competição; e (c) substâncias proibidas em alguns esportes em particular.
Por sua vez, o Código Mundial Antidopagem (“CMA”) foi aprovado na II Conferência Mundial sobre Dopagem no Esporte (“Declaração de Copenhagen”), ocorrida em 2003, entrando em vigor em 2005[2]. Nos mais de 20 anos de existência, o CMA[3] é o documento central que harmoniza as políticas, regras e regulamentos antidopagem nas organizações esportivas e entre as autoridades públicas de todo o mundo. Nesse sentido, o CMA prevê as regras esportivas que regem as condições sob as quais os esportes são praticados[4].
Em nível nacional, a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (“ABCD”) é a Organização Nacional Antidopagem (ONAD) com competências privativas de autoridade de coleta, testagem, gestão de resultados e educação, reconhecida e credenciada pela AMA-WADA. Outrossim, a ABCD tem a atribuição de estabelecer a Política Nacional Antidopagem e seus programas e planos perante o sistema brasileiro do desporto em território nacional e em cooperação nacional e internacional.
Nessa conjuntura, o Programa Nacional Antidopagem consiste no documento técnico norteador dos Planos de Ação das áreas de atuação da ABCD, visando às melhores práticas de gestão e combate à dopagem. O escopo do plano é proteger o direito fundamental dos atletas em participar do esporte livre de dopagem e assim promover a saúde, a justiça e igualdade entre os competidores. O referido plano se divide em cinco Programas Técnicos, chamados de eixos[5]:
(a) Eixo Educacional: para conscientizar, informar, comunicar e disseminar valores relacionados ao desenvolvimento de habilidades para a vida e à capacidade de tomada de decisão com vistas à prevenção das violações de regra antidopagem;
(b) Eixo de Dissuasão: para desestimular potenciais casos de dopagem, garantindo que regras e sanções rigorosas estejam em vigor e sejam significativas para todas as partes interessadas;
(c) Eixo de Detecção: para reforço do efeito de dissuadir bem como a proteção do atleta limpo e o espirito esportivo ao flagrar aquele que comete violação de regra antidopagem despertando a consciência das pessoas envolvidas em comportamento antidopagem;
(d) Eixo Jurisdicional: Para julgar e sancionar aqueles que tenham cometido uma violação da regra antidopagem, garantir que todas as partes interessadas relevantes tenham concordado em se submeter ao Código e às Normas Internacionais e, que todas as medidas tomadas na aplicação do programa antidopagem respeitem o Código, as Normas Internacionais e os princípios de proporcionalidade e direitos humanos;
(e) Eixo de Governança e Conformidade: para liderança estratégica e institucional para a boa gestão sob a égide dos princípios constitucionais, bem como estabelecer as diretrizes e pilares da gestão e do plano de conformidade, orientando a execução orçamentária e administrativa com o acompanhamento do Programa Nacional Antidopagem.
Dessa forma, através de programas antidopagem, busca-se preservar a integridade do esporte por meio do respeito às regras, aos outros competidores, a uma competição justa, à igualdade de condições e ao jogo limpo.
No contexto da dopagem, de acordo com o CMA, é dever pessoal dos atletas garantir que nenhuma substância proibida entre em seu organismo e que nenhum método proibido seja usado. Assim, não é necessário a intenção, culpa, negligência ou uso consciente por parte do atleta, para determinar a existência de uma violação às regras antidopagem. Por esse motivo, a educação e o acesso a informações são as ferramentas essenciais para a prevenção à dopagem. Com educação apropriada e informações claras e precisas os atletas podem desempenhar suas atividades em alta performance, respeitando as regras de cada modalidade esportiva.
A prevenção, dentro deste contexto, é realizada por meio do acesso à informação e da educação, sendo integralizada seja através de cursos, materiais didáticos ou, ainda, mediante ferramentas de consulta sobre substâncias consideradas como dopagem. Pode-se citar, por exemplo, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“ANVISA”), com a colaboração da ABCD e do Ministério do Esporte, disponibiliza, aos atletas, uma ferramenta de consulta de substâncias proibidas em medicamentos registrados no Brasil[6]. Com base nesta ferramenta, é possível verificar que um simples remédio para dor de cabeça, como é o caso da Neosaldina, contém a substância proibida em competição isometepteno (classificado como S6 - estimulante):

Contudo, em que pese os atletas sejam responsáveis por todas as substâncias que utilizam, nem todos possuem conhecimento da existência da ferramenta mencionada acima. Nesse sentido, de sorte a aperfeiçoar o sistema de prevenção e a evitar os casos de dopagem acidental, que ocorrem por ingestão inadvertida de medicamentos que contenham substâncias proibidas para as competições esportivas, foi sancionada, pelo Presidente da República, no dia 11/01/2024, a Lei n. 14.806/2024.
A referida lei prevê que, a partir de julho de 2024, as empresas farmacêuticas deverão alertar os atletas e os consumidores sobre a presença, nos medicamentos, de substâncias proibidas pelo Código Mundial Antidopagem. A informação deverá estar nas bulas, rótulos e materiais destinados à publicidade e propaganda dos medicamentos.
Há, portanto, um importante avanço na legislação brasileira no que se refere à prevenção de dopagem. A lei recentemente sancionada busca, assim, evitar punições por desconhecimento sobre a composição dos medicamentos, chamados de dopagem acidental.
O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas a este artigo e a qualquer assunto relacionado à área.
Diego Eidelvein do Canto
Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Desportivo.
[1] Segundo a Carta Olímpica, “[o] Olimpismo é uma filosofia de vida que exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente. Aliando o esporte à cultura e educação, o Olimpismo procura ser criador de um estilo de vida fundado no prazer do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito pelos princípios éticos fundamentais universais. O objetivo do Olimpismo é o de colocar o esporte à serviço do desenvolvimento harmônico da pessoa humana em vista de promover uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana”. Para mais informações, veja: https://library.olympics.com/Default/doc/SYRACUSE/3154785/olympic-charter-in-force-as-from-15-october-2023-international-olympic-committee.
[2] Registra-se que o Brasil é signatário da Convenção Internacional contra o Doping nos Esportes, celebrada em Paris, em 19 de outubro de 2005, durante a 33ª Assembleia Geral da Unesco. A promulgação da Convenção Internacional contra o Doping nos Esportes, ocorreu por meio do Decreto n. 6653, de 19 de novembro de 2008.
[3] Importante referir que o CMA foi internalizado, no Brasil, no Código Brasileiro Antidopagem (“CBA”).
[4] O Brasil é signatário da Convenção Internacional contra o Doping nos Esportes, celebrada em Paris, em 19 de outubro de 2005, durante a 33ª Assembleia Geral da Unesco. A promulgação da Convenção Internacional contra o Doping nos Esportes, ocorreu por meio do Decreto n. 6653, de 19 de novembro de 2008.
[5]Informações disponíveis em: https://www.gov.br/abcd/pt-br/composicao/educacao-e-prevencao/programa-nacional-antidopagem.
[6] Ferramenta disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiN2I0MGMzMzctOTZiMS00MGNkLWJhNzUtOGM5YmU0ZGNlMmI5IiwidCI6ImI2N2FmMjNmLWMzZjMtNGQzNS04MGM3LWI3MDg1ZjVlZGQ4MSJ9