A exibilidade dos créditos agrícolas frente à força maior decorrente de enchente
- cantoeidelveinadvo
- 12 de jun. de 2024
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As enchentes ocorridas nos lagos e rios decorrentes das chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul, caracterizam-se como força maior. Isso se deve tanto a previsibilidade restrita, devido ao sistema de proteção meteorológica adotado no país, quanto à inevitabilidade de seus efeitos na produção agrícola, resultantes do evento climático ocorrido no estado. Os contratos de financiamento agrícola, destinados ao plantio das lavouras no estado, à colheita e ao armazenamento dos grãos, cujas garantias dadas são as terras ou mesmo a produção agrícola daí decorrente, têm a exigibilidade suspensa ou extinta, dependendo do tipo de contratação junto ao agente financeiro.
Evidente que as questões climáticas eventualmente podem ser previstas pelo sistema meteorológico, porém não com a precisão e a antecedência necessária para possibilitar colheita antecipada ou mesmo a não realização do plantio. Além disso, não há armazenamento que suporte a violência das águas que devastaram o estado. Considera-se a existência de seguros específicos para o financiamento do plantio e da colheita, bem como, eventualmente, para o armazenamento de grãos. No entanto, geralmente, essa exceção de adimplemento contratual sem culpa deve ser prevista mediante cláusula especial na apólice de seguros.
Note-se que é condição essencial para obter o pagamento da indenização securitária a ciência prévia das cláusulas restritivas para o exercício do direito, bem como, o consentimento informado sobre as condições estabelecidas no contrato de seguro. Portanto, no âmbito securitário, é necessário verificar a existência de seguro compreensivo abrangendo os danos causados por eventos da natureza, com correlação entre o pagamento da indenização e a vinculação desta ao risco coberto, além das exceções previstas na apólice. A ciência prévia e a compreensão por parte do segurado devem ser demonstradas mediante termo firmado a esse respeito.
Entretanto, é necessário atentar para os termos da contratação do financiamento agrícola, bem como para as hipóteses previstas quanto ao cumprimento do pacto fiduciário, de modo que a perda de extensa plantação não resulte na execução da garantia dada, com possível perda da terra que assegura o cumprimento do contrato de mútuo. Assim, é preciso ponderar entre o capital entregue para o plantio, que ocorre em vários estágios em tempo certo para liberação daquele, como a aquisição das sementes, preparação da terra, plantio, colheita em prazo razoável e armazenamento seguro do produto agrícola colhido, o que pressupõe estado normal climatológico. Esse estado normal leva em conta os valores médios de variáveis calculados num período de longo e uniforme, de pelo menos três décadas, o que caracteriza as médias do clima naquele local.
Nesse ponto, é importante ressaltar que o fato de superar as médias climáticas da região já indica fator externo a ser considerado quanto à responsabilidade decorrente para o cumprimento da obrigação assumida no financiamento agrícola. Outro aspecto relevante aqui é se houve consentimento informado expresso por parte do produtor rural quanto à assunção da responsabilidade decorrente do prejuízo causado por evento externo climático, o que poderia impedir que ele se beneficiasse desta exceção ao cumprimento do contrato, conforme estabelece o art. 393, caput, do Código Civil.
O direito obrigacional relacionado ao cumprimento do contrato também deve considerar a interpretação finalística a ser dada ao financiamento realizado mediante adesão, assim como a hipossuficiência da parte contratante do mútuo nesta relação jurídica. Por conseguinte, não basta apenas a assinatura do contrato com a ciência do valor tomado e o prazo de pagamento, mas é essencial que sejam prestadas informações sobre as consequências do pacto acordado, inclusive quanto ao inadimplemento. Ademais, é necessário que as condições específicas quanto à responsabilidade assumida no momento da contratação sejam esclarecidas de forma clara e precisa.
No contrato de financiamento agrícola, geralmente realizado pelo Banco do Brasil S/A e pela Caixa Econômica Federal, cujo capital majoritário do primeiro e a forma de constituição desta última instituição financeira pertencem ao Governo Federal, o agente público estatal tem a capacidade de estabelecer condições de validade deste tipo de mútuo para o seu cumprimento, implementando políticas públicas para este setor da economia. É oportuno ressaltar que o objetivo do mútuo é alavancar a atividade agropastoril, e eventual seguro associado visava proteger o plantio ou a criação quanto a danos específicos, como no caso de inundação.
Destaque-se que, na atualidade, há a realização de contratos futuros a termo certo quanto a determinados produtos agrícolas, os quais as lavouras são consideradas comodities, tais como trigo, milho e arroz, apenas para citar alguns exemplos, sendo negociadas pelo produtor com determinado intermediário ou empresa mercantil em bolsa de mercadorias e futuros, cujo prejuízo remonta aos valores satisfeitos antecipadamente. É evidente que os produtores rurais nesse tipo de relação jurídica, asseguram-se de que, por ocasião da liquidação na Bolsa de Mercadorias, haja lastro mínimo quanto à possibilidade de cumprimento ou pagamento da produção negociada antecipadamente, cujo seguro apropriado é essencial neste tipo de negócio jurídico.
Portanto, várias são as espécies e contratos que envolvem a produção agrícola no estado do Rio Grande do Sul. O evento climático relativo à inundação das lavouras e perda do produto agrícola plantado, devido ao elevado índice pluviométrico, leva à impossibilidade do cumprimento do ajustado. Abre-se a discussão quanto à caracterização desse tipo de evento como imprevisível e inevitável, de sorte a alterar, com isso, a relação contratual e a forma do cumprimento do pacto entabulado. Desse modo, o financiamento tomado pelo produtor rural no estado deve ser analisado, caso a caso, quanto à contratação feita e os resultados advindos do evento climático em questão.
O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas à esta notícia e a qualquer assunto relacionado à área.
Jorge do Canto
Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Empresarial.