top of page

A atuação do agente esportivo no futebol e a Lei Geral do Esporte

  • cantoeidelveinadvo
  • 3 de out. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 1 de nov. de 2023

O futebol é um mercado complexo e multidisciplinar que, há muito tempo, deixou de ser apenas um jogo, para ser entendido como um evento integrante da indústria do entretenimento. Assim, o futebol não deve ser compreendido apenas como uma partida entre onze contra onze, mas sim como um importante setor da economia que envolve diversos stakeholders, que merecem atenção por parte do legislador infraconstitucional e das entidades de administração do esporte, justamente, para que o mercado possa se desenvolver de maneira sustentável.


Dentre as inúmeras relações jurídicas existentes no campo esportivo, a atuação do agente esportivo tem ganhado especial relevância nos últimos anos, notadamente em razão dos vultosos valores envolvidos a título de comissionamento.


Segundo o relatório International Transfer Snapshot da FIFA[1], publicado no dia 08/09/2023, no período de 01/06/2023 a 01/09/2023, os clubes de futebol gastaram 7,36 bilhões de dólares em transferências internacionais. Ainda, segundo o recém mencionado relatório, foram despendidas, no mesmo período e em transferências internacionais, 696,6 milhões de dólares em comissões para agentes esportivos.


Os números expressivos, relevam o papel proeminente dos agentes esportivos no futebol e a necessidade de atenção para esta parcela do mercado, justamente para que as relações jurídicas havidas entre as partes possam cumprir a sua função social. Raras são as operações no futebol que ocorrem sem a atuação de um agente esportivo na negociação de um contrato de transferência, de um contrato de trabalho e/ou contrato de imagem de um atleta. Isso ocorre, principalmente, porque, além dos consideráveis valores envolvidos, incidem sobre estas operações diversos regulamentos e leis, que demandam atuação especializada. Considerando este cenário, após um longo período de "desregulamentação" da atuação dos agentes esportivos pela entidade máxima do futebol internacional, a FIFA aprovou em dezembro de 2022, o Regulamento de Agentes de Futebol. O recém mencionado regulamento entrou parcialmente em vigor em 09/01/2023, com período de transição até 30/9/2023. Isto é, a partir de 1/10/2023, o Regulamento de Agentes de Futebol da FIFA passou a ter eficácia plena.


Dentre as principais novidades trazidas pela regulamentação estão: a) a necessidade licenciamento do agente junto à FIFA, mediante preenchimento de requisitos de elegibilidade e aprovação de exame a ser elaborado pela entidade; b) o fato de que somente pessoas naturais poderão ser licenciadas como agentes junto à FIFA (em que pese estes possam desenvolver suas atividades através de pessoas jurídicas); c) a limitação da múltipla representação por parte de um agente, que poderá representar, em um mesma operação, apenas o atleta e o clube comprador, mediante autorização prévia e por escrito; d) a existência de teto de comissões, que podem variar, de acordo com a hipótese, de 3% a 10% sobre o valor da remuneração do atleta ou do valor da transferência; e) o estabelecimento de regras mandatórias a serem incorporadas pelas entidades de administração do esporte nacionais nos seus respectivos regulamentos de agentes (no caso do Brasil, pela CBF) até o dia 30/09/2023.


No dia 04/10/2023, a CBF publicou o Regulamento Nacional de Agentes de Futebol (RNAF), com vigência a partir do dia 01/10/2023, alterando o regramento de intermediários anteriormente em vigor. Importante referir que o regulamento nacional prestigiou as disposições emanadas pela FIFA (algumas de incidência obrigatória) e anteriormente referidas, estando em consonância com a normativa internacional.


Por seu turno, recentemente foi promulgada a nova Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023 - LGE), que buscou unificar as diversas leis esparsas que regulavam o setor esportivo no país, em um único diploma, sistematizando as diretrizes do esporte no Brasil, tanto do ponto de vista de políticas públicas, como do ponto de vista econômico e social.


O tema do agente esportivo foi tratado no artigo 95 da LGE. O legislador infraconstitucional conceituou o agente esportivo como a pessoa natural ou jurídica que exerce a atividade de intermediação na celebração de contratos esportivos e no agenciamento de carreira de atletas.


Sinala-se que o pilar central da atuação do agente esportivo está na fidúcia. É com base na confiança que a prestação de serviço é desenvolvida, sem o qual a relação sequer poderia existir. Nesse sentido, as partes envolvidas devem pautar a sua atuação com base nos deveres de lealdade, informação, transparência, esclarecimento, veracidade e probidade, devendo o agente esportivo sempre observar os interesses legítimos de seu representado.


Dentro deste contexto, a LGE trouxe uma importante inovação no campo de atuação dos agentes esportivos, uma vez que facultou aos parentes de primeiro grau, ao cônjuge e ao advogado do atleta representar, quando outorgados expressamente, os interesses deste, sem a necessidade de registro ou de licenciamento pela organização esportiva de abrangência nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva em que pretende atuar ou pela federação internacional respectiva (parágrafo 1º do artigo 95). Há, assim, uma autorização especial para aquelas pessoas enumeradas no recém mencionado dispositivo, sem que necessitem estar devidamente registrados ou licenciados.


Em que pese esta autorização especial seja aplicada apenas no território nacional, há evidente conflito com os regulamentos da FIFA e da CBF, que, conforme mencionado anteriormente, exigem o licenciamento de agentes esportivos. Tal conflito ganha repercussão porque, no parágrafo 2º do artigo 95 da LGE, há expresso reconhecimento de que a atuação dos agentes esportivos será submetida também às regras e aos regulamentos próprios de cada organização de administração esportiva, bem como à legislação internacional das federações internacionais esportivas. Ou seja, há o reconhecimento na legislação infraconstitucional de que àqueles que desejarem atuar como agentes esportivos no futebol, deverão respeitar os regulamentos emanados pela FIFA e pela CBF.


Tal situação traz evidente insegurança jurídica ao setor. Contudo, considerando a existência de pluralidade de normas, regramentos e regulamentos que permeiam a atuação dos agentes esportivos, há necessidade de um diálogo harmônico e sistemático deste corpo normativo com a Constituição Federal e com as leis infraconstitucionais.


Dessa forma, o que se pode depreender da normativa administrativa existente é que se o agente esportivo desejar desempenhar a sua atividade, em território nacional, e, ao mesmo tempo, estar sob os auspícios da FIFA e da CBF, deverá ser licenciado na entidade máxima do futebol internacional. Nesse sentido, o artigo 8º do RNAF prevê: Somente a licença emitida pela FIFA autoriza o Agente de Futebol a prestar Serviços de Representação no território brasileiro sob regulação da CBF.


Todavia, caso um agente esportivo, que se enquadre nas hipóteses especiais do parágrafo 1º do artigo 95 da LGE, opte por atuar no mercado do futebol, sem realizar o licenciamento junto à FIFA, deverá estar ciente dos riscos que estará sujeito. O primeiro deles é que o cliente representado pelo agente esportivo não registrado, potencialmente, poderá sofrer sanções administrativas pela CBF[2]. Além disso, o agente esportivo não poderá submeter eventuais litígios relacionados à sua atividade no território nacional na Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF (CNRD CBF)[2], conforme se depreende da definição de agente de futebol e do artigo 70, ambos do RNAF.



O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas a este artigo e a qualquer assunto relacionado à área.


Diego Eidelvein do Canto

Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Desportivo.

 

*Artigo originalmente publicando na Revista Consultor Jurídico, em 1 de outubro de 2023: https://www.conjur.com.br/2023-out-01/diego-canto-atuacao-agente-esportivo-futebol.


[2] O artigo 76 do RNAF prevê: “A CNRD é o órgão competente para investigar, julgar e impor sanções a Agentes de Futebol ou a Clientes que violem o Estatuto e os regulamentos da CBF, incluindo este RNAF e o CECFB, e condutas relacionadas a Contratos ou Serviços de Representação que violem disposições deste RNAF tidas em Transferências Nacionais ou Operações nacionais, sem dimensão internacional.”


[3] Os recém mencionados dispositivos preveem o que segue: “Agente de Futebol – significa a pessoa física licenciada pela FIFA a prestar os Serviços de Representação;” “Art. 70 - Compete à CNRD apreciar quaisquer demandas de dimensão nacional envolvendo Agentes de Futebol e seus Clientes, na forma do seu Regulamento, quando não tenham transcorridos mais de 2 (dois) anos desde o evento que deu origem à disputa, sob pena de perecimento do direito de ação, devendo a aplicação deste prazo ser examinada ex officio em cada caso.”

bottom of page