Perspectivas teóricas do Tribunal do Futebol da FIFA (FIFA Football Tribunal - TF)
- cantoeidelveinadvo
- Mar 14, 2024
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Nos últimos anos a FIFA tem realizado inúmeras modificações em sua estrutura de governança, seus estatutos e regulamentos. Tal intento, busca modernizar o sistema de resolução de disputas no futebol, permitindo que a entidade internacional possa dar respostas cada vez mais rápidas e precisas para os inúmeros desafios legais e conflitos decorrentes de um mercado cada vez mais globalizado e com vultuosos valores envolvidos.
Dentro deste contexto, em 21/05/2021, o 71º Congresso da FIFA aprovou a criação do Tribunal do Futebol (FIFA Football Tribunal - TF). O referido órgão começou a operar a partir de 01/10/2021, conforme previsto na Circular n. 1769 da FIFA. Essa alteração buscou consolidar os órgãos decisórios existentes da FIFA em um único órgão interno regulador, de natureza administrativa, competente para tomar decisões relacionadas a disputas e a solicitações referentes a questões regulatórias conexas ao futebol, com dimensão internacional, como a transferência de jogadores entre confederações distintas.
De sorte a implementar as alterações, a FIFA realizou alterações nos Regulamentos sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores (Regulations on the Status and Transfer of Players - RSTP) e sobre as Regras Procedimentais do Tribunal do Futebol. Além disso, conforme as Circulares n. 1795 e 1842 da FIFA, a entidade internacional lançou o Portal Legal da FIFA (FIFA Legal Portal), uma plataforma online, onde os procedimentos do âmbito de competência do Tribunal do Futebol deverão ser conduzidos. Registra-se que, desde 01/05/2023, a utilização do Portal Legal da FIFA é obrigatória, devendo todos os procedimentos serem iniciados e conduzidos exclusivamente pelo referido portal.
Conforme o artigo 54 dos Estatutos da FIFA, o Tribunal do Futebol é composto por três câmaras: (a) a Câmara de Resolução de Disputas (Dispute Resolution Chamber – DRC); (b) a Câmara de Situação de Jogadores (Players’ Status Chamber – PSC); (c) a Câmara de Agentes (Agents’ Chamber – AC).
Câmara de Resolução de Disputas (DRC)
A DRC é composta por um presidente e dois vice-presidentes, bem como quinze representantes de jogadores (indicados pela associação de atletas) e quinze representantes de clubes (indicados pelas associações membros, clubes e ligas), a fim de manter uma atuação paritária.
Em termos gerais, a referida câmara é competente para analisar disputas, com dimensão internacional, relacionadas à relação de emprego envolvendo atletas e clubes, associações membros, bem como disputas referentes a mecanismo de solidariedade e indenização por formação. Dessa forma, nos termos do artigo 23, parágrafo 1, do FIFA RSTP, a DRC é competente para analisar:
I. disputas entre clubes e jogadores em relação à manutenção da estabilidade contratual (artigos 13 a 18 do FIFA RSTP) quando houver uma solicitação de Certificado Internacional de Transferência (International Transfer Certificate - ITC);
II. disputas relacionadas a questões trabalhistas entre um clube e um jogador, de dimensão internacional. Registra-se, contudo, que as partes recém mencionadas podem optar explicitamente, por escrito, que tais disputas sejam decididas por um tribunal arbitral independente que tenha sido estabelecido em nível nacional dentro da estrutura da associação e/ou através de uma convenção coletiva. Qualquer cláusula de arbitragem desse tipo deve ser incluída diretamente no contrato ou em uma convenção coletiva aplicável às partes. O tribunal arbitral nacional independente deve garantir procedimentos justos e respeitar o princípio da representação igualitária de jogadores e clubes;
III. disputas relacionadas à indenização por formação (artigo 20 do FIFA RSTP) e ao mecanismo de solidariedade (artigo 21 do FIFA RSTP) entre clubes pertencentes a associações diferentes, que não sejam regidas pelos Regulamentos da Câmara de Compensação da FIFA;
IV. disputas relacionadas à indenização por formação (artigo 20 do FIFA RSTP) e ao mecanismo de solidariedade (artigo 21 do FIFA RSTP) entre clubes pertencentes à mesma associação, sempre que a transferência do jogador relacionado à disputa tenha ocorrido entre clubes que pertençam a associações diferentes, que não sejam regidas pelos Regulamentos da Câmara de Compensação da FIFA;
V. questões de complexidade jurídica ou factual em um processo de revisão do Passaporte Esportivo Eletrônico (Eletronic Player Passport – EPP), de acordo com o artigo 10, parágrafo 3, do Regulamento da Câmara de Compensação da FIFA, e disputas entre clubes, de acordo com o artigo 18, parágrafo 2, do Regulamento da Câmara de Compensação da FIFA.
Importante referir que a competência da Câmara de Resolução de Disputas da FIFA não afasta o direito de jogadores, clubes ou associações submeterem disputas à uma Corte Nacional, competente para analisar conflitos trabalhistas.
Câmara de Situação de Jogadores
A PSC é composta por um presidente e um vice-presidente, bem como pelo número necessário de membros, conforme decidido pelo Conselho da FIFA. Os membros são indicados pelas associações, confederações, atletas, clubes e ligas.
Resumidamente, a PSC é competente para analisar disputas, de dimensão internacional, relacionadas a questões trabalhistas envolvendo treinadores, clubes ou associações; disputas relacionadas a transferências de atletas entre clubes; e requerimentos regulatórios referentes ao sistema de transferências internacionais e à elegibilidade dos jogadores para participar de seleções nacionais. Assim, nos termos do artigo 23, parágrafo 2, do FIFA RSTP, a recém mencionada câmara é competente para decidir sobre:
I. disputas relativas à relação de emprego entre um clube ou associação e um treinador que assumam uma dimensão internacional. Menciona-se, contudo que as referidas partes podem optar explicitamente, por escrito, que tais disputas sejam decididas por um tribunal arbitral independente que tenha sido estabelecido em nível nacional dentro da estrutura da associação e/ou de uma convenção coletiva. Qualquer cláusula de arbitragem desse tipo deve ser incluída diretamente no contrato ou em uma convenção coletiva aplicável às partes. O tribunal de arbitragem nacional independente deve garantir procedimentos justos e respeitar o princípio da representação igualitária de treinadores e clubes;
II. disputas entre clubes pertencentes a diferentes associações que não se enquadrem nos casos previstos no artigo 22, alíneas a), d), e) e f), do FIFA RSTP;
III. requerimentos relacionados à matéria regulatória especificadas no FIFA RSTP ou em outros regulamentos da FIFA.
Assim, como na DRC, a competência da PSC não afasta o direito de treinadores, clubes ou associações submeterem disputas à uma Corte Nacional, competente para analisar conflitos trabalhistas.
Câmara de Agentes
A Câmara de Agentes é composta por um presidente, um vice-presidente, bem como pelo número necessário de membros, conforme decidido pelo Conselho da FIFA. Os membros são indicados pelas associações, confederações, atletas, clubes, ligas e agentes de futebol.
A AC é competente para analisar disputas, com dimensão internacional, envolvendo agentes de futebol devidamente licenciados pela FIFA, e jogadores, treinadores, clubes ou associações. Nesse sentido, segundo o artigo 20 do Regulamento de Agentes da FIFA, a Câmara de Agentes é competente para analisar disputas decorrentes de, ou em conexão com, um contrato de representação com dimensão internacional.
Conforme preceitua o artigo 2, parágrafo 2, do Regulamento de Agentes, o contrato de representação possuirá dimensão internacional sempre que: (a) reger os serviços de agente de futebol relacionados a uma transação especificada em conexão com uma transferência internacional (ou a mudança de um treinador para um clube afiliado a uma associação membro diferente daquela de seu empregador anterior); ou (b) reger os serviços de agente de futebol relacionados a mais de uma transação especificada, uma das quais está conectada a uma transferência internacional (ou a mudança de um treinador para um clube afiliado a uma associação membro diferente daquela de seu empregador anterior).
É oportuno salientar que a competência administrativa da FIFA, não afasta o direito do agente de futebol, do clube ou da associação de submeter eventual litígio a um tribunal ordinário nacional competente. Além disso, para disputas decorrentes de, ou relacionadas a, um contrato de representação sem dimensão internacional, o órgão decisório, identificado nos regulamentos nacionais de agentes de futebol da associação membro, relevante possui competência para determinar tais disputas (no caso do Brasil, a Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF, conforme previsto no artigo 70 do Regulamento Nacional de Agentes de Futebol da CBF – RNAF CBF).
Considerações finais
As modificações estruturais realizadas pela FIFA e a criação do Tribunal do Futebol demonstram que entidade máxima do futebol está atenta às boas práticas de governança corporativa. Com isso, a divisão do Tribunal do Futebol em câmaras especializadas melhorou a estrutura da FIFA para garantir respostas satisfatórias na resolução de disputas, além de resolver questões legais advindas das diversas relações jurídicas relacionadas aos jogadores, treinadores, clubes, associações membro, ligas e agentes de futebol.
Para se ter uma dimensão do sistema de resolução de disputas e de questões legais, conforme o Relatório do Tribunal do Futebol da FIFA 2022/2023, apenas no período de 01/07/2022 a 30/06/2023, a FIFA recebeu o total de 18.353 casos, solicitações e consultas, dos quais 704 foram direcionadas à Câmara de Situação de Jogadores e 3.726 à Câmara de Resolução de Disputas. Ainda, de acordo com o recém mencionado relatório, o tempo de duração e de disputas na PSC e na DRC foi em média de 99 dias, do início do procedimento até a sua decisão, o que demonstra a eficácia dos referidos órgãos internos da FIFA e otimização dos procedimentos.
Outrossim, importante referir que o Tribunal do Futebol não analisará casos sujeitos ao FIFA RSTP se tiver transcorrido mais de dois anos do fato que originou a disputa, podendo este tema ser analisado ex officio em cada caso (artigo 23, parágrafo 3, do FIFA RSTP).
Além disso, a FIFA incorporou a mediação como método alternativo de resolução de disputas. Previsto no artigo 26 das Regras Procedimentais do Tribunal do Futebol, o presidente do Tribunal do Futebol poderá convidar as partes para mediar a disputa. A mediação é um processo voluntário e sem cobrança de custas, devendo ser conduzidos por mediadores reconhecidos pela lista aprovada pela secretaria geral da FIFA. Se a mediação for bem-sucedida, um acordo será assinado pelas partes, sendo ratificado pelo mediador e pelo presidente da respectiva câmara. O acordo será considerado uma decisão final e vinculante do Tribunal do Futebol, em consonância com os regulamentos da FIFA.
Por fim, um último ponto a ser observado é que todas as decisões emitidas pelas Câmaras do Tribunal do Futebol podem ser recorridas à Corte Arbitral do Esporte (Court of Arbitration for Sport – CAS), conforme previsto nos artigos 56 e seguintes dos Estatutos da FIFA. A apelação deverá ser submetida ao CAS dentro de 21 dias do recebimento da decisão recorrida, prazo esse peremptório.
O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas a este artigo e a qualquer assunto relacionado à área.
Diego Eidelvein do Canto
Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Desportivo.
[1] Sobre a ausência da natureza arbitral dos órgãos decisórios da FIFA, veja a decisão n. 4A_492/2016 do Tribunal Federal Suíço: “[...] One must consider here the fact that, in the case of internal club decision-making bodies, we are not talking about arbitral tribunals and that their decisions represent mere wishes of the participating clubs and not, for instance, acts of jurisdiction (BGE 119 II 271 at 3, p. 275 f.; Judgments 4A_222/201516 of January 28, 2016 at 3.2.3.1; 4A_374/201417 of February 26, 2015 at 4.3.2.1). This also applies for the FIFA Chamber (see BGE 136 III 34518 at 2.2.1, p. 349), as, it should be noted, the Appellant also acknowledges. […] Thus, the CAS rightly considered that it did not have to directly decide in the dispute between the parties, but rather as an appeal court, after an internal club procedure before the Dispute Regulation Chamber of the FIFA. The decision under appeal, from the perspective of Art. 190(2)(b) PILA, is not objectionable.”. Disponível em: https://www.swissarbitrationdecisions.com/sites/default/files/7%20f%C3%A9vrier%202017%204A%20492%202016%20.pdf e https://www.bger.ch/ext/eurospider/live/it/php/aza/http/index.php?highlight_docid=aza%3A%2F%2F07-02-2017-4A_4922016&lang=it&type=show_document&zoom=YES&. No mesmo sentido, Despina Mavromati refere: “Generally, the judicial instances of sports federations do not qualify as ‘arbitral institutions’ and their decisions are decisions/ resolutions of a sports association. […] Specifically in football-related cases, CAS panels have ruled on numerous occasions that the FIFA-PSC adjudicating bodies are not true arbitral proceedings but rather ‘intra-association’ proceedings, and the decisions passed by those bodies are not true arbitral awards but decisions of a Swiss private association.” Despina. Res judicata in sports disputes and decisions rendered by sports federations in Switzerland. In: CAS Bulletin 2015/1, fl. 40 e ss. Disponível em: https://rearoftheyearcompetition.com/fileadmin/user_upload/Bulletin_2015_1_internet3.pdf
[2] De acordo com a definição 28 do FIFA RSTP, treinador é aquele que ocupa uma posição específica no futebol em um clube profissional ou associação, cujas obrigações laborais consistem em um ou mais dos seguintes itens: (a) treinar e orientar jogadores; (b) selecionar jogadores para jogos e competições; (c) fazer escolhas táticas durante jogos e competições; e/ou (d) o emprego exija a posse de uma licença de treinador de acordo com o regulamento de licenciamento nacional ou continental.
[3] O recém mencionado artigo prevê: Art. 2. [...] 2. Um Contrato de Representação terá uma dimensão internacional sempre que: a) reger os serviços de agente de futebol relacionados a uma transação especificada em conexão com uma transferência internacional (ou a mudança de um treinador para um clube afiliado a uma associação membro diferente daquela de seu empregador anterior ou para outra associação membro diferente daquela de seu empregador anterior); ou b) reger os serviços de agente de futebol relacionados a mais de uma transação especificada, uma das quais está conectada a uma transferência internacional (ou a mudança de um treinador para um clube afiliado a uma associação membro diferente daquela de seu treinador anterior ou para outra associação membro diferente daquela de seu empregador anterior).
[4] Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/29f21b292aaf350b/original/Football-Tribunal-Report-2022-2023.pdf.